Espaço Cidadão

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Esse espaço é dedicado ao esclarecimento de questões relativas à transição digital no campo da saúde de maneira simples, direta e descomplicada. O editor convidado é o doutor José Luciano Cunha. Aproveitem e deixem mensagem no caso de dúvidas!


Dr. José Luciano Monteiro da Cunha Curriculo lattes: http://lattes.cnpq.br/7271823841453874 Contato: drjoselucianocunha@gmail.com Mestrando no Instituto Oswaldo Cruz – Fiocruz CRM: 146.839 RQE 51756

 

O que a Estratégia Saúde Digital Brasil poderá mudar nas nossas vidas?

A Pandemia

A pandemia do COVID19 mudou a vida de milhões de pessoas em todo o mundo, ceifando vidas e, ao mesmo tempo, mudando drasticamente diversos processos em todas as áreas da economia, incluindo o setor da saúde (FEGERT et al., 2020).

Pacientes e profissionais de saúde foram obrigados a manter uma relação virtual, que anteriormente não existia, salvo em casos esporádicos, de forma episódica, analógica, e mediada principalmente pelo telefone e por email (CRAWFORD; SERHAL, 2020)

A telessaúde teve um crescimento explosivo durante esse período, chegando a mais de 3000%, de acordo com determinadas referências (FAUTEUX, 2022; HEALTH, 2022). Ao mesmo tempo que esse crescimento revelou a capacidade de resolução de nichos da telessaúde, simultaneamente foram identificados problemas que precisavam ser resolvidos nas dimensões tecnológicas, comportamentais, e de processos internos das organizações (FEGERT et al., 2020).

Saúde Digital e OMS

Desde 2005 a OMS tem apresentado pautas que incluem estratégias para alcançar a transformação digital na saúde, com o objetivo de tornar o acesso mais justo, disponível e eficaz para toda a população mundial (NATIONS, 2019)

Em 2013, uma nova resolução foi publicada, considerando a importância de medidas de apoio a interoperabilidade entre sistemas na saúde, e a estratégias de saúde conectada (chamada de e-health). Em 2018, o termo saúde digital já era utilizado mais amplamente nas discussões da assembleia, e foi recomendada a elaboração de uma estratégia global de saúde digital pela OMS (DHINGRA; DABAS, 2020)

Foi então que em 2020 surgiu a Estratégia Global de Saúde Digital, impulsionada pela pandemia do COVID19. Nesse documento, a OMS define a visão, o propósito e os princípios norteadores da estratégia de implementação de programas de saúde digital no mundo, respeitando as diferenças sociais, culturais, econômicas e políticas existentes entre os países (DHINGRA; DABAS, 2020).  Esses princípios foram divididos em 4 pontos cruciais: 

  • Reconhecer que a institucionalização da saúde digital nos sistemas nacionais de saúde requer a decisão e comprometimento dos países
  • Reconhecer que o sucesso das iniciativas requer uma estratégia integrada
  • Promover o uso apropriado das tecnologias digitais para a saúde
  • Reconhecer a necessidade urgente de resolver as dificuldades de países menos desenvolvidos para a implementação das tecnologias digitais na saúde

Aos poucos, a disseminação do conceito de saúde digital foi se espalhando pelo mundo, através de um movimento impulsionado pela pandemia do COVID19 e pelos efeitos pós pandemia. Países desenvolvidos, em desenvolvimento, e subdesenvolvidos iniciaram então os trabalhos para o desenvolvimento de estratégias de saúde digital, que fossem compatíveis com a sua realidade. Surge então em 2020, a Estratégia Saúde Digital Brasil.

A Estratégia Saúde Digital Brasil

A Estratégia de Saúde Digital para o Brasil (ESD 20-28) é uma iniciativa do Ministério da Saúde (MS) para incorporar a saúde digital (e-Saúde) como uma dimensão fundamental para o Sistema Único de Saúde (SUS). A estratégia visa melhorar constantemente a qualidade dos serviços de saúde por meio da disponibilização e uso de informações abrangentes, precisas e seguras. 

A Estratégia de Saúde Digital para o Brasil 2020-2028 foi publicada em 2020 e apresenta a perspectiva de ações voltadas para a área nos próximos oito anos. Esse documento procura sistematizar e consolidar o trabalho realizado ao longo da última década, materializado em diversos documentos, incluindo a Política Nacional de Informação e Informática em Saúde – PNIIS, publicada em 2015, na Estratégia e-Saúde para o Brasil, publicada em 2017, e no Plano de Ação, Monitoramento e Avaliação de Saúde Digital para o Brasil, aprovado em 2019 e publicado em 2020. 

A Estratégia de Saúde Digital busca, portanto, nortear e alinhar as diversas atividades e projetos públicos e privados, potencializando o poder de transformação da saúde digital no Brasil.

Em 2020, o MS, por meio da Portaria GM/MS n.º 3.632/2020, instituiu a ESD28, estruturada em três eixos principais (SAÚDE, 2020):

  1. Ações do MS para o SUS, por meio do Programa Conecte SUS e suas iniciativas; 
  2. Definição de diretrizes e prioridades para colaboração, a partir da construção do arcabouço legal, regulatório e de governança;
  3. Implantação do espaço de colaboração, que busca implementar um ambiente conceitual, normativo, educacional e tecnológico que favoreça à colaboração participativa”

Em cada um desses eixos, diversas ações foram desenvolvidas para alcançar os objetivos. Mas afinal, quais são esses objetivos? Ainda de acordo com a Portaria GM/MS n.º 3.632/2020, são definidos os seguintes objetivos para a ESD 20-28 (SAÚDE, 2022):

I – Estabelecer modelo de governança por meio do CGSD e desenvolver a ESD28 sob a liderança do MS, incorporando a contribuição ativa dos atores externos que participam das plataformas de colaboração; 

II – Promover a implementação de políticas de informatização dos sistemas de saúde nos três níveis de atenção, acelerando a adoção de sistemas de prontuários eletrônicos e de gestão hospitalar como parte integrante dos serviços e processos de saúde; 

III – Promover a partir da Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS) o suporte às melhores práticas clínicas, por meio de serviços e aplicativos desenvolvidos no MS, bem como outras aplicações que sejam desenvolvidas pela plataforma de colaboração; 

IV – Promover o engajamento de pacientes e cidadãos, para a adoção de hábitos saudáveis e o gerenciamento de sua saúde, da família e da comunidade, auxiliando na construção dos sistemas de informação para o seu uso

V – Promover a formação e capacitação de profissional de Informática em Saúde, bem como o reconhecimento desses profissionais; 

VI – Induzir, por meio da RNDS, o trabalho colaborativo em todos os setores da Saúde para que tecnologias, conceitos, padrões, modelos de serviços, políticas e regulações sejam postos em prática; 

VII – Criar um ecossistema de inovação que aproveite o ambiente de interconectividade em Saúde, estabelecendo-se como um grande laboratório de inovação aberta, sujeito às diretrizes, normas e políticas prescritas pela Política Nacional de Informação e Informática em Saúde

Se forem alcançados, cada um desses objetivos terá impacto no dia a dia de profissionais, de usuários do sistema de saúde e de gestores. Mas, na prática, como isso acontece? Vamos ver abaixo alguns exemplos de ações que já estão em andamento e que trazem benefícios diretos para as pessoas. 

Estratégia Saúde Digital Brasil na prática

O programa Conecte SUS

O programa Conecte SUS está ligado a vários objetivos da ESD 20-28, desde a informatização dos sistemas e integração com a RNDS (Rede Nacional de Dados em Saúde) até a promoção de melhoria da qualidade assistencial e ações colaborativas de cuidado direto com a saúde e medidas educacionais para cidadãos e profissionais. 

Diversos laboratórios já estão começando a aderir a interoperabilidade com a plataforma conecte SUS como demonstra o gráfico abaixo com os resultados atualizados:

Figura 1. Número de laboratórios aderentes ao programa de interoperabilidade com a RNDS

 

Além disso, a população tem aderido ao aplicativo, o qual tem boa usabilidade e interface amigável. O gráfico de evolução de downloads nas lojas da Apple e do Google demonstram o crescente interesse em baixar o aplicativo nos smartphones:

Figura 2. Número de downloads do aplicativo Conecte SUS por sistema operacional

 

O Conecte SUS pode, de fato, levar a uma melhor relação da população com os dados relacionados a saúde, como por exemplo, informações vacinais, exames laboratoriais, e informações mais específicas (estado atual de saúde, doenças prévias e medicamentos em uso). Tudo isso irá facilitar o cuidado integrado, melhorando a comunicação entre profissionais de saúde e organizações, sejam elas públicas ou privadas.

Programa Informatiza APS

A informatização das Unidades Básicas de Saúde (UBS) ainda é um desafio. Levar internet de qualidade e prontuário eletrônico a essas unidades é essencial para que os objetivos da ESD 20-28 se concretizem. Conseguimos ver no gráfico abaixo que apesar da evolução nos últimos 2 anos ainda temos muitas UBS sem informatização adequada, aguardando a implantação do programa.

Figura 3. Evolução mensal do número de estabelecimentos de saúde conectados pela RNP de novembro de 2020 a 20 de outubro de 2021 nas UF

 

Figura 4. Número de estabelecimentos de saúde que aderiram ao projeto e aguardam nova chamada para os serviços de conexão via projeto com a RNP

A informatização das UBS é um ponto crucial para o desenvolvimento de estratégias de intervenção em saúde digital, apoiando ações assistenciais, educacionais e logísticas nessas unidades. Além disso, é um fator importante de equidade, principalmente para populações que apresentam baixo nível de literacia digital ou questões socioeconômicas que impedem o acesso a tecnologias digitais (dificuldades em obter um aparelho ou internet adequados, por exemplo). 

A Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS)

A Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS) é uma plataforma nacional de integração de dados em saúde e é um projeto estruturante do Conecte SUS, programa do Governo Federal para a transformação digital da saúde no Brasil.

Os atuais percentuais refletem as ações de integração das UBS à RNDS iniciadas recentemente (julho de 2021), a partir do lançamento do Conecte SUS Profissional, bem como ações para a expansão de todo o programa. Para o ano de 2022 já estavam previstas cinco oficinas regionais para promover adesão dos municípios/estados à RNDS e uso do Conecte SUS Profissional.

Figura 5. Porcentagem de UBS conectadas na RNDS

Com esse gráfico percebemos que existe ainda uma longa caminhada na integração das UBS a RNDS, além de uma grande disparidade entre estados do Norte do país e aqueles da região sul, sudeste e centro-oeste.  

Com a progressão da RNDS é provável que todas as informações de saúde, sejam elas geradas no setor público ou privado, acabem compondo esse grande conjunto de dados, gerando informações valiosas sobre o estado de saúde populacional e individual.  

Concluindo… 

A ESD 20-28 é um documento norteador de ações com objetivo de guiar a transformação digital da saúde no Brasil. Diversos objetivos foram delineados nessa estratégia e várias ações estão em andamento, já demonstrando resultados positivos.  

Com a evolução das ações da ESD 20-28 espera-se que tenhamos uma saúde mais conectada, integrada, colaborativa e com práticas assistenciais seguras para todos.  

Ainda temos um longo caminho pela frente, principalmente em termos de adequação de infraestrutura em um país com dimensões continentais como o nosso. Para que haja impactos reais e positivos para as pessoas, as políticas públicas de incentivo às ações da ESD precisam continuar e os cidadãos precisam conhecer cada vez mais sobre esse tema, com o intuito de cobrar às autoridades e gestores a implementação das melhorias necessárias.  

Somente com ações integradas entre usuários, gestores e profissionais de saúde será possível alcançar o sucesso na implementação de um programa integrado de saúde digital a nível nacional.  

 Referências 

CRAWFORD, A.; SERHAL, E. Digital Health Equity and COVID-19: The Innovation Curve Cannot Reinforce the Social Gradient of Health. Journal of Medical Internet Research, v. 22, n. 6, p. e19361, 2020.  

DHINGRA, D.; DABAS, A. Global Strategy on Digital Health. Indian Pediatrics, v. 57, n. 4, p. 356–358, 2020.  

​FAUTEUX, N. The Growth of Telehealth. AJN, American Journal of Nursing, v. 122, n. 3, p. 16–17, 2022.

​FEGERT, J. M. et al. Challenges and burden of the Coronavirus 2019 (COVID-19) pandemic for child and adolescent mental health: a narrative review to highlight clinical and research needs in the acute phase and the long return to normality. Child and Adolescent Psychiatry and Mental Health, v. 14, n. 1, p. 20, 2020.  

​HEALTH, F. Market Reports. Disponível em: <https://www.fairhealth.org/>;.  

​NATIONS, U. Resolution adopted by the General Assembly on 20 December 2018.pdf, 9 jan. 2019. .  

​SAÚDE, M. da. Estratégia Saúde Digital Brasil.pdf, 1 abr. 2020. .  

​SAÚDE, M. da. Relatório de Resultados ESD 2020-2028. 2022.  

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Veja na página 5 o primeiro artigo dessa série “Definição de telessaúde e suas modalidades” 

 

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