Conexão Saúde reduz mortalidade por Covid-19 na Maré (RJ)
Poucas ações de controle da transmissão e gerenciamento de casos de Covid-19 em comunidades urbanas de baixa renda foram implementadas mundialmente no período da pandemia. As desigualdades no acesso à saúde contribuíram para aumento dos casos e mortes em comunidades vulneráveis. No entanto, um artigo publicado recentemente pelo periódico online BMJ Global Health documenta a eficácia e impacto na redução da taxa de mortalidade por Covid-19, após intervenção multicomponente realizada no conjunto de favelas da Maré, no Rio de Janeiro, através do programa Conexão Saúde: de olho na Covid do qual a Fiocruz é parte integrante. Os resultados apontam 46% da redução na taxa de mortalidade e aumento em 23% dos casos notificados de Covid-19 durante o período. O sucesso da ação se deve a combinação de fatores diversos, como envolvimento da comunidade, comunicação, vigilância móvel, testes massivos e telessaúde, aponta a pesquisa.
A intervenção realizada integra um novo modelo de vigilância e atenção em saúde para enfrentamento de epidemias em comunidades urbanas. Os resultados apresentados podem apoiar ações futuras e estabelecer respostas epidêmicas equitativas, especialmente no acesso à saúde da população socialmente vulnerável, aponta o pesquisador da Fiocruz e coordenador do estudo, Fernando Bozza.
“O estudo abre uma perspectiva do ponto de vista das políticas públicas, na atuação em situações de crise nos territórios historicamente negligenciados. Ações de saúde onde se combina ciência, engajamento e trabalho com organizações da sociedade civil podem ser tornar programas de governo no futuro. O projeto Conexão Saúde, realizado nas favelas da Maré aponta para um modelo eficaz, de governança e gestão horizontal, onde se trabalha em parceria e que pode possivelmente ser replicado”, diz.
Entre março de 2020 e abril de 2021, foram confirmados 31.3474 casos de Covid-19 e 6.613 mortes foram notificadas no município do Rio de Janeiro, sendo 4.967 casos e 279 mortes registradas no Complexo da Maré. O método de pesquisa utilizado no estudo, chamado “diferenças em diferenças” (DID), analisou a mortalidade e o impacto da ação, no período de março a agosto de 2020, e pós-intervenção (setembro de 2020 a abril 2021) na comunidade, em uma população estimada de 140 mil pessoas, distribuídas em 16 favelas. O modelo aplicado, comparou os resultados obtidos com outras três favelas, que juntas são equivalentes em população (Rocinha, Cidade de Deus e Mangueira), e buscou entender o comportamento ao longo do tempo por casos e mortes por Covid-19, antes e depois da intervenção.
Na ocasião, foi feita uma análise para estimar o efeito de todas as estratégias conjuntas na progressão de casos e óbitos por 100 mil habitantes. A intervenção combinou três atividades principais: Testagem Massiva promovida e gerida por tecnologia móvel, Telessaúde e Isolamento domiciliar com redes sociais como fonte de apoio e informação. No contexto, foi analisada a progressão da pandemia e os resultados antes e após o início da intervenção, com objetivo de fornecer informação, vigilância e serviços de saúde para reduzir o impacto da pandemia de Covid-19. A estratégia de comunicação com linguagem apropriada, boletins informativos nas redes sociais e orientação para moradores da comunidade fizeram toda a diferença no processo, reduzindo a disseminação de notícias falsas. Visitas às casas, através da unidades básicas de saúde, distribuição de álcool gel, máscaras, panfletos e colocação de faixas e cartazes apoiaram a ação.
“Entre os aspectos centrais da pesquisa é importante destacar que é possível realizar ações combinadas em uma pandemia envolvendo diferentes setores da sociedade, mesmo em áreas historicamente negligenciadas. O estudo também demonstra que a ciência é fundamental na geração de informação, no acompanhamento epidemiológico, na informação qualificada que gera dados para sociedade e como forma de informar e orientar a população. O tipo de modelagem utilizada auxilia nas conclusões e sugere que a intervenção realizada na Maré não pode ser medida por ações isoladas e sim pelo conjunto delas, que tiveram impacto positivo na redução de mortes por Covid-19”, complementa Bozza.
O estudo indica que a vigilância integrada da saúde e modelo assistencial para apoiar as favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia foi capaz de evitar mortes, garantindo proteção a uma população socialmente vulnerável ao reduzir o impacto das iniquidades no acesso aos cuidados de saúde através da promoção de cuidados locais eficazes ações.
Conexão Saúde
O estudo é parte integrante e uma das etapas da iniciativa Conexão Saúde: de olho na Covid, ação coordenada entre seis iniciativas: Fiocruz, Redes da Maré, Dados do Bem (DdB), SAS Brasil, União Rio e Conselho Comunitário de Manguinhos, cujo arranjo organizacional inclui os setores público e privado, academia e organizações não governamentais, que atuam nas favelas da Maré e Manguinhos, no Rio de Janeiro. O projeto foi concebido com a proposta de uma abordagem integradora e modelo participativo de vigilância e atenção à saúde, com a contratação de novas tecnologias para ampliar o acesso à saúde e possibilitar respostas rápidas e eficazes às demandas da população, que inclui desde a orientação e o apoio à população local, até a telemedicina, testagem molecular, rastreamento de contactantes e produção de mapas de risco dentro das comunidades.
Camile Duque Estrada (Agência Fiocruz de Notícias)
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